É triste, é lamentável, e ficamos todos a perder

Como todos sabem os partidos políticos têm congressos periodicamente; e (como saberão menos mas já é público), o PS já tem o seu próximo Congresso Nacional marcado para os dias 10 e 11 de Julho.

Como é da praxe, no PS antes de qualquer Congresso, é definida pelos órgãos nacionais  “á data no poder” a composição da Comissão Organizadora do Congresso seguinte (vulgarmente designada COC) que mais não é que o grupo de militantes que organizarão o Congresso, definindo, entre outras coisas, as regras segundo as quais o mesmo se rege.

Também desta vez assim aconteceu, e os órgãos nacionais sob a batuta do Secretário-Geral António Costa escolheram as pessoas que entenderam mais adequadas - bem entendido: a escolha foi feita com legitimidade, e os nomeados, naturalmente daí a herdam também.
Tristemente, termos legitimidade (ou não) não nos leva necessariamente ás escolhas mais adequadas ou com que todos concordam.

Mas do que falo?
Os congressos têm diferentes momentos, e pessoalmente tenho um carinho especial pelas moções sectoriais. Aqui importa distinguir 2 tipos de moções:
  • moções globais de estratégia – são as moções apresentadas pelos candidatos a secretário geral, sendo por assim dizer o “plano de trabalho” que a(o) candidata(o) apresenta para o mandato (não é destas que falo)
  • moções sectoriais – documentos apresentados no congresso, por qualquer militante, e que focam especificamente uma medida, ou iniciativa ou tomada de posição. Exactamente porque os militantes as apresentam e não costuma haver tempo suficiente nos congressos, é vulgar as deliberações sobre estas moções serem feitas já pelos novos órgãos eleitos, algum tempo após a sua eleição (é destas que falo)

As regras para apresentar quer umas, quer outras, variam então com as deliberações da COC que organiza o congresso em questão.

Mas voltando às moções: porque gosto tanto das moções sectoriais?
A resposta é: utilidade, versatilidade e democracia/pluridade de opinião.
Utilidade porque é de facto complicado “por tudo” numa moção global de estratégia, e uma moção sectorial permite aprofundar o debate sobre um tema.
Versatilidade, porque uma moção sectorial não “dá para tudo”, mas “dá para muitas coisas diferentes”, ou seja como instrumento, permite alargar o debate de uma forma bastante diversa; e isso é bem claro quando vemos a variedade de temas que no tempo foram sendo focados.
Para terminar pela vertente democrática e pela pluridade de opinião que permitem – regra geral é (ou seria) fácil apresentar uma moção sectorial, e efectivamente parece-me um exemplo de democracia que qualquer militante de base possa propor, ver debatido e votado um qualquer  tema que veja como premente; e isto com o respeito que se impõe.

 

E qual é o problema então?

Como é visível no screenshot que junto como imagem neste post:


para este congresso a COC optou por exigir que, para as moções sectoriais serem apresentadas, teriam de ser subscritas por um mínimo de 5% dos delegados ao congresso.  Por comparação, faz sentido dizer que no congresso anterior qualquer militante de base com as quotas em dia o poderia fazer.


Vamos fazer agora uma pausa de 5 segundos…, e vamos pensar.

Mas vamos lá a ver, o que se pretende aqui?

  • Exigir “mini-manifestações de força”?
  • Colocar um qualquer militante, com uma excelente ideia mas pouco poder, “no lugar” e em silencio numa espécie de snobismo caciqueiro?
  • Privilegiar que os militantes que querem discutir politica se tenham de juntar a “barões partidários controleiros” e lhes tenham de pedir autorização para fazer política?

O tema central dos congressos nacionais é a escolha do novo secretário-geral, da estratégia a seguir e dos novos órgãos que o vão acompanhar, contudo e repetindo-me de tráz

  1. Não “cabe tudo” numa moção geral
  2. Há matérias que por si só merecem ser aprofundadas aparte da estratégia global
  3. Os militantes de base devem ter o direito claro de ver as suas ideias e propostas debatidas e votadas;
  4. Quando qualquer moção “indesejada”, ou que não colhe apoio, é entregue; basta aos delegados ou eleitos nos órgãos nacionais votarem contra.
    Uma proposta que tem por suporte uma moção, só é vinculativa mediante aprovação da mesma, não pela sua apresentação/entrega – é da democracia.
    Mas afinal estamos com medo de alguma coisa?

Constatação do óbvio: não é preciso “ter força” para se ter razão ou para fazer um apontamento ou proposta digno de interesse. Mudar é bom, mas só se for na direcção certa, senão é só tonto (para não dizer mal intencionado).

E aquilo da democracia e da pluridade de opinião enriquecerem debates?
Tenho a classificar esta opção como lamentável, como uma tristeza.
Perde a democracia, perde o partido, e perdemos todos.

É que nem tem a ver com a localização do aeroporto

Este texto não é sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa,contudo a condução do processo parece-me um bom exemplo do que aqui pretendo exprimir.

Já ouviu dizer que "há coisas que são bem pensadas, soam bem, parecem bem “no papel” mas simplesmente não funcionam?” Bom, é mais ou menos isso.

A verdade é que há regras, programas e iniciativas que por si só "no papel" fazem todo o sentido; contudo as diferentes pessoas envolvidas acabam por aproveitar falhas, por adoptar posturas de aproveitamento, ou simplesmente por distorcer a ideia original e conseguir tornar algo (seja uma regra ou uma iniciativa) que até seria bom em algo que tem um efeito negativo.

 

Mas do que estou a falar, na prática?
Como é de conhecimento geral (trata-se de uma temática nacional) está-se a decidir a localização do novo aeroporto de Lisboa; e diferentes partidos têm diferentes visões e propostas – até aqui tudo normal.
O governo apontava e continua a apontar para o Montijo, o PCP/CDU que é maioria em algumas câmaras no distrito de Setúbal defende a localização em Alcochete - para além do PCP/CDU há mais pessoas a defender a opção e recordava, por exemplo, o ex-1º ministro Sócrates como um dos defensores desta hipótese.
Ora, novamente até aqui, com a diversidade de opinião admissível, e até expectável em democracia, tudo normal na mesma; quer dizer é naturalmente legitimo ao PCP/CDU, como a outros partidos ou personalidades terem uma posição diferente da do PS...

 

Então mas se este texto não é sobre a discussão da localização em si, qual é o “assunto”?
É que existe um princípio na lei que diz que as câmaras de concelhos vizinhos afectados por um investimento podem vetar esse investimento (supostamente se for contra o bem-estar da sua população); e temos que o PCP/CDU sendo maioria em algumas câmaras vizinhas (como o Seixal) está a aproveitar para vetar a localização no Montijo, mas promover a localização Alcochete.


A este respeito tenho a dizer que “no papel” concordo com o princípio na lei, e é esse o ponto fundamental deste texto – por exemplo imagine-se um caso de instalação de uma central nuclear em determinado local; é normal que as populações de concelhos vizinhos se quisessem e pudessem opor pelo potencial risco.
Agora, repare na comparação que eu fiz, aqui está-se a tratar de um novo aeroporto que é apontado como necessário e é visto com potencial para desenvolver a zona em que for localizado, há sequer comparação (ou sequer dano)?

Assim neste caso o que temos é um aproveitar deste principio na lei, para usando de uma desonestidade intelectual evidente, o PCP/CDU (usando as suas maiorias em algumas Câmaras Municipais, e em particular com a do Seixal) vetar uma hipótese, quando não consegue faze-lo  a nível nacional (falo da relação de forças na Assembleia da República e consequentemente do governo, sua composição e decisões).


Recordo:
O Seixal é um dos concelhos com esta possibilidade pelo facto de parte do seu território, no caso parte do Pinhal do General estar incluído no cone de aproximação dos aviões que com a localização no Montijo, passariam a  aterrar no aeroporto e começam a descer. Ora basta ver as distancias (desde logo a distancia de Seixal para o Montijo e daí a altura a que os aviões vão passar) para perceber que o impacto para população é substancialmente reduzido.
E benefícios? Bem esses são evidentes!

E consequências disto?
Desde logo, a verdade é que o processo parou; e sem alterações (seja das posições dos executivos das câmaras, ou da lei) efectivamente o aeroporto não será no Montijo. Contudo, ao contrário do que o PCP/CDU diz, não implica que seja em Alcochete, pode simplesmente não se fazer ou ser noutra localização - recordo que o também ex-1º ministro Santana Lopes, entre outros, aponta a Alverca.

 

Termino como comecei - dizendo que este texto não é sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa, é sobre um fenómeno a que infelizmente assistimos demasiadas vezes: um interlocutor ou conjunto de interlocutores que querendo embirrar aproveitam um detalhe na lei ou iniciativa para simplesmente ou como agora, alicerçados numa bela dose de desonestidade intelectual, fazer exactamente isso: embirrar e parar algo, desvirtuar uma iniciativa ou algo do género.
E consequências desta embirração e mau-uso de um "poder"? Bem, aqui as potencialidades estão à vista… E este meu texto é então exactamente sobre isso, é que:
- Não basta que soe bem “no papel”.